Fonte: Portal do MEC
cchttp://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=19061
A receita do nosso pão de todo dia pode fazer milagres na sala de aula.
Ao amassar os ingredientes com as mãos, estudantes compreendem que
reações químicas e biológicas ocorrem no nosso cotidiano e podem ser
apaixonantes. Juntar o microscópio e o fogão para oficinas de ciências
na culinária é uma ideia da bióloga e professora de genética Adlane
Vilas-Boas, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal
de Minas Gerais (ICB–UFMG).
“Como eu gosto de fazer comidas
simples e saborosas, e a cozinha aproxima as pessoas ao redor da mesa,
quis popularizar a ciência pela culinária”, explica Adlane, que tem
mestrado em genética e biologia molecular pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e doutorado em genética pela University of British
Columbia. Ao fazer o pão na cozinha da escola, segundo ela, o professor
pode explicar mais facilmente conceitos de microbiologia, bioquímica e
até conteúdos de física.
“É preciso aproveitar a curiosidade dos
alunos ao redor de algo que todos gostam”, ensina. Da mistura dos
ingredientes ao pão assado, o aluno vê diante dele várias etapas de
conhecimento científico — pode visualizar no microscópio as proteínas da
farinha de trigo, que no movimento de sovar a massa passam por reações
necessárias à formação do glúten.
E que substância é essa? É uma
proteína responsável pela elasticidade da massa produzida com farinha
de trigo. A professora Adlane dá a dica de lavar vagarosamente a massa
do pão em água corrente. “O amido vai embora e sobra o glúten, que é uma
substância emborrachada”, conta.
Na biologia, o professor pode
explorar o sistema nervoso, como funciona a química dos receptores para o
gosto e o olfato. Sabe o cheirinho bom de bolo assado ou bife
acebolado? Pois então, é um exemplo de química que os alunos
desconhecem. “Em altas temperaturas, a mistura de proteínas e
carboidratos resulta em moléculas voláteis, que vão para o ar e instigam
o nosso olfato”, explica Adlane.
Esse é o conceito da reação
química de Maillard [Louis Camille Maillard, médico e químico francês
(1878-1936)]. “Muitas pesquisas vêm sendo feitas atualmente tentando
produzir sinteticamente a substância, que é produzida em altíssimas
temperaturas e dá o gostinho bom do alimento”, ressalta a bióloga. Pela
reação de Maillard, obtêm-se moléculas voláteis, que dão sabor, odor e
cor aos alimentos, como, o dourado dos alimentos assados ou do bife
frito.
Experimentação — Professor de química do
Colégio Técnico da UFMG, Alfredo Luís Martins Lameirão Mateus diz que a
culinária pode ser usada como atividade prática para experimentação e
explorações. Se bem usada, segundo ele, pode levar o aluno a entender
melhor como funciona a ciência, e ver a química como algo ao seu
alcance, que acontece o tempo todo ao seu redor.
Como em química
estudam-se os materiais e sua transformação, Mateus explica que para
cozinhar é preciso conhecer as propriedades dos alimentos e controlar
sua transformação até o ponto certo. “As coisas que acontecem no dia a
dia são mais familiares, os materiais são em geral baratos e fáceis de
conseguir, os experimentos são mais seguros — alguns são até comestíveis
— e as pessoas em geral têm curiosidade sobre o assunto”, comenta.
Quais,
por exemplo, os fatores que afetam a velocidade de uma reação? O
professor explica que é possível listar os fatores e pedir aos alunos
que os memorizem ou criar situações em que eles mesmos explorem as
reações e cheguem a conclusões. “Então, pode-se comparar o tempo de
cozimento em diferentes temperaturas, com o alimento em pedaços grandes
ou pequenos, fazer experimentos que lidem com a conservação dos
alimentos e saber por que usamos a geladeira”, exemplifica Mateus, que
tem mestrado em química pela Universidade de São Paulo (USP-SP) e
doutorado pela Universidade da Flórida.
“O mundo da cozinha é um
universo muito rico para a ciência”, comenta a professora Adlane. A
culinária está nas salas de aula também das universidades, em
laboratórios onde se trabalham as ciências e as relações culturais. No
microscópio, é possível ver o que ocorre no processo de levedura, a
multiplicação celular. “É interessante observar o grão de amido, no
início em grande quantidade, ir sumindo do microscópio à medida que o
pão cresce porque o amido é transformado em açúcar, álcool e gás
carbônico, que são aquelas pequenas bolhas.”
O ciclo de
aprendizagem na cozinha pode incluir ainda o sistema digestório e as
reações químicas dos alimentos no organismo. “Boa parte dos alunos tem
muita curiosidade pela ciência”, afirma o professor Mateus. “Em uma
situação mais informal, sem ter de memorizar fórmulas e realizar
cálculos repetitivos, eles demonstram bastante interesse pelo assunto.”
De
acordo com o professor, basta ver o sucesso dos inúmeros vídeos sobre
experimentos no YouTube. “A questão envolve tornar as aulas mais
contextualizadas e tornar o aluno responsável pelo seu aprendizado, mais
engajado na aula”, salienta. Segundo ele, as aulas em que os alunos
ficam passivos, só ouvindo o professor falar, têm tudo para dar errado.
No
Portal do Professor
do Ministério da Educação há conteúdos de ciência na culinária que
podem ser aplicados em sala de aula. “A culinária é algo que permite
trabalhar os conceitos a partir dos fenômenos, usar experimentos de
forma mais investigativa e que engajem os alunos”, acrescenta Mateus.
Rovênia Amorim